As primeiras aventuras balneares em Portugal incluíram dramas, medo, recomendações médicas, fatos-de-banho púdicos e flirts com espanholas. A praia começou por ser um drama. O escritor Gervásio Lobato, tio tetravô do humorista Nuno Markl, não conseguiu esquecer os dias negros que viveu aos 5 anos, em Setembro de 1855, quando a família o arrastava para o areal que então existia em frente à Torre de Belém, em Lisboa. "Eu tremia como varas verdes, chorava, gritava, rebolava-me pela areia, fingia doenças, mas era tudo em vão. Vinha o Roque, um banheiro muito alto, muito forte, muito vermelho de cabelos ruivos, pegava em mim e zás! Água te valha. Lembro-me ainda desse tempo com terror. O mês de Setembro era para mim um mês de suplício. Não tinha um minuto de felicidade nos 43.200 minutos desse negregado mês", escreveu na Ilustração Portuguesa em 1885, numa crónica citada por Maria Graça Briz na sua tese de doutoramento, A Vilegiatura Balnear Marítima em Portugal, 1870-1970.
Copiou-se assim um hábito iniciado em Inglaterra e em França a meio do século XVIII. Ao longo de praticamente todo o século XIX, e até aos loucos anos 1920 – quando começou a moda de apanhar sol para bronzear a pele –, ia-se à praia apenas para tomar banhos de mar, com o objectivo de curar doenças como a anemia, a depressão e o raquitismo infantil. Funcionava como se fosse uma receita: os médicos definiam a duração da estadia junto ao mar e chegavam nalguns casos ao extremo de indicar o número de mergulhos por cada banho, consoante a idade, o sexo e as condições do doente – mulheres e crianças em Julho e Agosto, para não se sujeitarem a um estímulo tão forte; homens saudáveis no tempo mais frio para robustecer o organismo.
Chegava-se à praia pelas 8h. Os homens levavam fato e gravata e as mulheres vestido comprido. Dentro de uma "barraca de banhos", com a ajuda do banheiro e da sua família, os cavalheiros vestiam uma camisola e calções de lã; as senhoras um vestido de cauda que tinham de arrastar pela areia até ao mar e depois no penoso regresso à barraca. Não se ficava de fato-de-banho fora do mar nem se apanhavam banhos de sol.
A receita do médico era entregue ao banheiro, que conduzia os banhistas mar adentro e os ajudava em várias modalidades possíveis de banho. Podia segurar as pessoas com uma corda; puxá-las pelo braço para as obrigar a mergulhar quando vinham as ondas; despejar água em cima dos banhistas com ajuda de uma gamela; e, mais radical, o banho de "choque", assim descrito numa investigação de Luís Paula Saldanha Martins: "Os banhistas eram transportados em cadeirinha por dois banheiros que, de forma concertada, quando as ‘vítimas’ menos esperavam, os mergulhavam e devolviam ao areal com prontidão."
Não ia toda a gente ao mesmo tempo, nem o banheiro teria capacidade para isso. Algumas pessoas passeavam à beira-mar ou ficavam a aguardar a vez sentadas em bancos de madeira junto às barracas, enquanto assistiam aos banhos dos outros. "Antes de entrar na água era conveniente um pequeno passeio para que o corpo ganhasse algum calor, de forma a aumentar a impressão causada pela água fria. Pela mesma razão, a imersão tinha de ser rápida e total. O banhista tinha de dar vários mergulhos e não podia manter-se quieto, devendo debater-se ou praticar exercícios de natação", contextualiza a historiadora Joana Gaspar de Freitas, na sua tese de doutoramento sobre o litoral português na época contemporânea. A ideia era mesmo provocar uma reacção brusca no corpo, para estimular a circulação e aumentar a vitalidade de todos os órgãos.
No guia que escreveu em 1876 sobre as praias de Portugal, Ramalho Ortigão dava um conselho às banhistas que não tivessem touca, para preservarem a higiene: "Não lhes convém mergulhar a cabeça. Basta-lhes refrescar repetidamente a fronte e o alto do crânio com a mão molhada durante o tempo que estiverem na água. Molhados os cabelos no mar por qualquer incidente, convirá às senhoras lavá--los em seguida em água doce com um bom sabonete."
Quanto à duração do banho, o escritor recomendava 10 minutos para as pessoas fracas e 20 ou 30 para as bem constituídas e as crianças. Mas havia uma forma de identificar o momento exacto de saída, segundo o autor de As Praias de Portugal: "Ao penetrar na água sente-se um estremecimento, um calafrio geral. (...) Se o banho se prolonga demasiadamente, o primeiro calafrio repete-se. É o sinal intimativo para sair imediatamente".
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