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E o Penim foi à guerra

  • In TV
  • 2022-03-04
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A CMTV quis oferecer-nos, e conseguiu, uma delirante caricatura do jornalismo de guerra. Francisco Penim, o sacrificado, ofereceu-se para dar o corpo às balas, vestindo colete à prova das ditas tecido de ridículo do mais espesso que se vende na retrosaria Amália.

O resumo feito por Ricardo Araújo Pereira (RAP) no “Isto é Gozar com Quem Trabalha” (27.02.2022), deve passar a constar do Plano Nacional de Visionamento de todas as escolas de jornalismo em Portugal.

Oscar Mascarenhas defendia em tempos que um enviado especial precisava sempre de um bom “ficado especial” em quem se amparar.
No caso vertente, percebe-se que não tinha.

São muitas, com barbas, e certificadas, as estórias dos correspondentes de guerra que se correspondem sem sair dos hotéis, apanhando uma fresquinha quando sobem ao terraço para abrilhantarem uns directos.

Há correspondentes das televisões portuguesas que fazem o seu trabalho com dignidade, apesar dos meios escassos. Lutam com armas desiguais perante os seus colegas dos países mais abonados, das tv’s e das agências noticiosas.

Os telespectadores, ou os ouvintes comuns não sabem, mas muitos dos directos, cá ou lá fora, são produzidos para o espectáculo. Pode ser em frente ao Centro Comercial Colombo como em Lviv ou Kiev.

Conto-vos duas estórias.
No princípio dos anos 90, estava na redacção da TSF, em Lisboa. Não posso precisar a missão que me tinha levado até lá, talvez trazer alguns jingles para a Rádio Jornal do Centro/TSF Coimbra, jingles que o Paulo Bastos resistia em libertar.
Era noite, em Berlim o correspondente da TSF dormia, o telefonema de Lisboa acordou-o. Algo de grave se passara na Alemanha. José Belchior disse que estava a dormir, logo não sabia de nada. Do lado de cá surgiu a proposta: sem problema, nós lemos-te o telex que recebemos da agência X, tu tomas nota e depois gravamos o teu despacho.
“OK, dêem-me um tempinho para ir lavar a cara e os dentes”…

Em finais de 1999 cumpria semana de observação directa na redacção da RTP em Lisboa, observação integrada nos meus trabalhos de doutoramento.
O pior já tinha passado em Dili, mas a RTP mantinha lá um correspondente, ido pouco tempo antes da redacção do Porto.
Filme similar ao anterior. Era noite na capital timorense, o correspondente arguiu que não tinha novas, mas deram-lhas de Lisboa e ele fez mais tarde uma gravação para passar nos telejornais do dia seguinte.

O desastrado desempenho de Penim enquanto correspondente de guerra, potenciado pela montagem cruel do programa de RAP, já tem lugar nos anais da ridicularia. Mas, pasme-se, é do mais inofensivo que possa haver, por tão explícito, com fragilidades expostas, denunciadas.

Os que causam mais danos não são estes directos, antes os outros, os do dia a dia, desde Kiev, da Bobadela, do Ticão ou de Carrazeda de Ansiães. Não todos, mas muitos deles são perfeitamente desnecessários. É o directo-espectáculo, não o directo informativo, o que acrescenta em vez de espaventar. Desfolhando o catálogo dos “directos que podem fazer você brilhar”, o top, o “Super Pop Limão” é, por certo, o que nos oferece durante horas infindas o cu do autocarro que leva a equipa de futebol até ao estádio.

A concluir, uma estranheza. O que levará Francisco Penim a aceitar estes papéis, este na Ucrânia, o anterior quando manuseou, atabalhoadamente, a propalada “Parede Mágica” utilizada pela CMTV na noite das eleições legislativas, a 30 de Janeiro de 2022?
Penim tem 55 anos. Aos 34 anos, ainda um jovem, lançou os primeiros canais temáticos da SIC: SIC Gold e SIC Radical, com grande sucesso. Estávamos em 2000. De Setembro de 2005 a Janeiro de 2008 ocupou o importantíssimo cargo de director de programas da SIC.
Na sinopse do seu segundo romance, lemos: “Francisco Penim, jornalista e executivo de media, estudou em Lisboa, Boston e Columbia. Começou na rádio em 1986. Na televisão, desde 1994, produziu e realizou inúmeros conteúdos de informação e entretenimento para a CMTV, SIC, TVI, RTP e outros canais. É casado e tem dois filhos. ‘Esta Alma Dura’ é o seu segundo romance”.