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Deu a doida nos caramelos

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Década de 1990, Baile de Gala da Queima das Fitas de Coimbra. Espectáculo bonito, com doses de pompa, muito glamour, o amor pairando no ar. Era no Liceu José Falcão, “Zé Pássaro” para os amigos. Dei lá aulas de Filosofia, em 1991, quando finalista em Direito, mas isso é para outra conversa.  

Dizia eu que era um espectáculo bonito, quando no José Falcão. A passagem para outros recintos, quartel da Brigada de Intervenção ou Pavilhão Jorge Anjinho, ofuscou-lhe o brilho.

Fui, com gosto, cliente assíduo dos bailes de gala. Ia para me divertir, beber uma cerveja ou então nove, aproveitava também para tirar umas fotos.
Entrado nas lides jornalísticas, as fotos passaram a ter carimbo profissional.

O Jorge Castilho, director do semanário “Jornal de Coimbra”, cravava-me sempre umas fotos para abrilhantar uma ou duas páginas do jornal.
Num belo ano pediu-me também para legendar os bonecos. Eu e o Jorge pertencíamos a clubes diferentes no que toca à legendagem dos ditos: para ele, todas as fotos deviam ser acompanhadas por uma legenda; para mim, nem todas, e algumas nunca deviam levar meia legenda que fosse.
“Se publicarmos uma foto com um regador, temos que a legendar com ‘regador’? E um penico também deve ser legendado?” – diria eu ao Jorge, mais penico, menos regador…

Mas lá acedi ao que considerava um capricho do senhor director.
Legendei sob protesto e, chegado ao último boneco, fiz greve. “Ponham vocês o nome destes caramelos”, assim vociferava a indicação para que alguém na redacção identificasse os foliões.

Acontece que ninguém da redacção leu a nota, olharam para ela como se legenda fosse. Melhor ainda, a dita também passou sorrateira pelo crivo do director, ele que se ufanava de rever os textos todos. Pois desta vez não.

No dia seguinte, o JC lá saiu com a foto-reportagem do baile, e com meia dúzia de foliões todos com o mesmo nome: caramelos.

Como é notório, a culpa não foi minha (nunca é, acho eu, porque nunca erro, pelo menos às quartas de manhã cedo).
E se fosse, teria que repartir a cesta das culpas com o Jorge, dado o seu reiterado e enfático protesto de revisor de tudo.

Deu para umas tantas risadas, nenhum dos caramelos fotografados reclamou; a nota teve até direito a inclusão na edição seguinte da revista “Grande Reportagem”, página inteiramente dedicada a respigos em discurso directo, uns mais ousados, outros só picarescos, uns um tanto picantes, outros levados da breca.
Achei piada pelo facto de, ao tempo, também colaborar com a “Grande Reportagem”.

O que mudou na minha vida. Lembram-se do que disse há minuto e meio sobre a obssessão do Jorge Castilho pela revisão de textos? Pois bem, para o testar eu costumava incluir, de quando em vez, umas brincadeiras no miolo dos textos que lhe fazia chegar. Do que me lembro, nunca acusou o toque, e eu lá ia, curioso, ver se a maroteira da semana tinha passado pelo crivo. Frustração, nunca passava.

A partir da estória dos caramelos, nunca mais polvilhei o texto de ratoeiras para o revisor desarmar. NUNCA! E sabem a razão? É que, sendo mais que sabido que tenho uma idiossincrasia muito idiossincrática, espaventando o gaúdio de nem dar conta de que andava a trabalhar, porque o fazia com prazer e ainda assim me pagavam, virava fulo quando tinha que fazer algo de que não gostava.
Foi o caso das tais legendas, feitas a custo, sentindo-me Chaplin nos “Tempos Modernos”.

Tudo visto, “caramelos” foi um eufemismo significando revolta contida, porque o natural em mim, respeitando a tal idiossicrasia coisa, era ter começado os caramelos da mesma forma, as quatro primeiras letras, mas divergindo nas restantes, assim mais ao género do Pequeno Saúl, naquela cançoneta de um certo bacalhau que pedia alho.

Ui, ia-me embora sem sem dizer ao que vinha. A sério, só leram o intróito, assim a modos dos “narizes de cera” de antigamente.
A culpa é do Manuel Correia, que, ao ver ao que venho e antecipadamente postei no facebook, comentou “Fez-me lembrar o episódio da foto "destes caramelos"... Recorda-se?”.

Ai não que não recordo.
Foi a página 4 do jornal “Terceira Via”, de Campos dos Goytacases, Estado do Rio de Janeiro, edição de 13 a 19 de Novembro de 2022, que me levou aos caramelos de há 25/30 anos.
Lemos, no lead “O programa Mãe Moderna desta semana, conversou com a advogada Alessandra (coloca o sobrenome da doida) e a economista Rachel Chacur”.
@lucaslanes_, no Twitter, publicou o delicioso recorte que aproveitei para lhe roubar, vaticinando “acho q alguém em campos vai ser demitido”.

Eu espero que não. E vou já a correr, tratar de enviar estas notas ao chefe de redacção, pedindo misericórdia ao infausto revisor que não colocou o nome da doida nem apagou a ordem para alguém colocar o nome da doida.
E demonstrar-lhe que coisas dessas acontecem aos melhores, como foi o meu caso.

Mais ainda: não fora isto e ninguém aqui, no torrão irmão onde vivem tantos primos, tios e avós dos brasucas, ninguém por aqui ficaria sabedor de que existe um município no Rio de Janeiro com nome de ressonâncias aztecas, meio milhão de habitantes, e que Campos de Goytacases tem um jornal, e que nesse jornal também deve haver um Jorge que, por mais peito que faça aos erros e azares das redacções, deixam sempre passar qualquer coisa.

O apelido da causídica é Lorenzon, lemos no pedido de desculpas feito pelo grupo que detém o jornal.

Dinis Manuel Alves, 23.11.2022

PS. Vou enviar o texto ao Jorge Castilho, para ele rever, sem falhas, claro, ver se escrevi tudo bem, se a memória não me traiu, oportunidade também para poder reclamar, bem alto, “Pois, é só para as pessoas verem o que tive de aturar durante uns anos”.

Se se ficar só por isto, prometo publicação aqui mesmo. Se for muito mais longe, aí é natural que tenha que enviar o texto para visto do Provedor aqui do guardafactos.

Eis o testemunho do Jorge Castilho:
"Tanto quanto me recordo (já lá vão 31 anos!...), a legenda em causa não foi alterada porque a foto, efectivamente, retratava “caramelos”: elas, todas muito doces; eles, todos muito bem “embrulhados”... (nestes Bailes de Gala, para não terem “galo” com as moçoilas, até os garnisés se aperaltavam…). Assim, cumpriu-se uma das regras que eu impunha no meu jornal: legendar todas as imagens. Mesmo (ou sobretudo!...) as de regadores e de penicos, caso alguma vez se justificasse a sua insólita publicação…