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Não tenho dado notícias…

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Manter a publicação de um jornal local ou regional tem os seus riscos. Um deles, talvez dos mais delicados, respeita à produção suficiente de matéria com dignidade noticiosa.

As notícias de relevo escasseiam num meio pequeno, todos o sabemos. E se calhar até escasseiam num meio pequeno do tamanho do país que é Portugal. Daí alguns casos engendrados para subirem a manchete, e que horas depois já se esfumaram levados pelo vento que faz desaparecer tudo o que de importância vale zero, pouco mais, pouco menos.

Daí o facto da investigação jornalística, nos dias que correm, correr quase exclusivamente a expensas da imprensa escrita. A rádio deixou de investigar, contentando-se em pegar nos casos divulgados de madrugada pelos diários e semanários que se publicam no torrão. Os jornais descobriram o caso, o escândalo, a rádio pôe os personagens a falar, dá voz às letras da imprensa, à boleia e sem pagar direitos de autor.

A televisão faz o mesmo. Dias há em que apetece confrontar o alinhamento de um telejornal com as notícias dos jornais desse dia. Ainda há pouco tempo reparávamos que a primeira meia dúzia de notícias de jornal da uma do Canal 1 da RTP já vinham todas no "Jornal de Notícias" dessa manhã.

Quando as notícias escasseiam, há que puxar pela imaginação, ir à descoberta de assunto. E aí vale bastante a imaginação do jornalista. Quando os neurónios preguiçam, aí aconselharíamos mesmo a franqueza do correspondente do jornal "O Serrano" na vila de Tábua. Estávamos nos idos de 1913, corria o mês de Janeiro, e o noticiarista que assinava com o pseudónimo "Solus", justificava a ausência prolongada nas páginas do jornal lousanense, tudo por falta de assunto:
"Não tenho dado noticias porque em meio pequeno, como êste em a gente saindo para fóra da fórmula — vi nesta vila o sr. fulano, tivemos o prazer de abraçar o sr. Sicrano, cumprimentámos o sr. Beltrano, deu-nos a honra da sua visita o sr. Tarantano, e outras bugiarias de egual força, por muitas vezes tem o noticiarista de meter a viola no saco.
Não estranhe, pois, o nosso silencio".

Sinceridade, acima de tudo. Neste número, "Solus" trazia notícia para reportar. O "Serrano" também trazia algumas, e entre elas não escapava a secção de chegadas e partidas que o correspondente de Tábua, ao tempo "Taboa", tanto criticava:
"— Encontra-se nesta vila a visitar sua familia, o sr. Alexandre Mascarenhas de Lemos, alferes da Administração Militar em Coimbra. — Regressou de Lisboa o sr. dr. Luiz V. de Lemos, advogado nesta comarca. — Embarcaram na quarta feira passada para Santos (Brasil), a bordo do Amazon, os srs. dr. João Santos, D. Ana Santos, Pompeu Santos, Paulo Menano, esposa e filhinha. Que tenham uma viagem feliz e que regressem depressa ao convivio de suas familias e pessoas amigas, é o nosso veemente desejo. — Retirou para Coimbra o sr. dr. Pratas, aluno do 5º ano médico, e sua esposa".

Dinis Manuel Alves

3 de Dezembro 1996