Nem todos os entrevistados dizem ao jornalista aquilo que realmente pensam ou sentem. Tal "desfasamento" entre o que realmente se pensa e o que se autoriza a publicar, deixa muitas vezes o jornalista frustrado.
Tal facto acontece via de regra com os políticos, sempre muito cautelosos nas afirmações vertidas para a comunicação social.
Casos há em que, off the record, os entrevistados expendem posições desassombradas perante o jornalista, e este esfrega as mãos de contentamento prevendo uma entrevista bombástica. Depois, quando se começa a gravar, quando o que se diz já é para publicar ou difundir, vem a frustração: o entrevistado recusou deliberadamente ser polémico e a entrevista será mais uma entre muitas outras.
Seja por esse facto, seja apenas para dar largas à sua imaginação, jornalistas há que recorrem ao expediente das entrevistas ficcionadas. São entrevistas inventadas, muitas das vezes ao serviço do humor, da ironia, do sarcasmo.
Podem ser feitas a personalidades ainda em vida, como a celebridades que já morreram. Como podem ser feitas a objectos (a uma estátua, por exemplo), ou a animais. O sucesso das fábulas aí está para demonstrar como o narrador carece, por vezes, do auxílio de um cão, de um gato, de um elefante, para que estes digam aquilo que os seres humanos seriam incapazes de dizer.
Da mesma forma que, nas telenovelas ou em alguns filmes, o autor da trama resolve incluir um "louco", um "transviado", um "marginal" para dizer aquilo que os outros "seres normais" têm pejo em afirmar, nas entrevistas ficcionadas cumprem-se também tais finalidades: a estátua do Cristo-Rei pode deitar cá para fora algumas verdades impossíveis de serem ditas pelos políticos ou outros agentes decisórios do nosso microcosmos.
Redigir uma entrevista fictícia integra a carga de trabalhos da disciplina de "Laboratório de Imprensa", que leccionamos há vários anos.
André Pereira tomou-lhe o gosto, escreveu mais do que uma, mais de uma dúzia, um quarteirão. Bem, foram 68 as "fictícias" de autoria do André, coligidas no blog "Diário de Fictícias", entre 2006 e 2008.
De referir que muitas das entrevistas tiveram primeira publicação no bi-semanário "O Despertar", ao tempo dirigido por Fausto Correia.
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