O Miguel leva porrada do pai quando aparece em casa com quinhentos escudos, tem que conseguir mil na pedincha para o açoite ficar quieto, 8 anitos, vai à escola às vezes, às vezes não porque o pai o manda ajudar nas cadeiras de verga, o pai faz cadeiras de verga que a mãe depois pinta e depois vai vender, quer ser polícia porque os uniformizados têm pistolas e não deixam os maus roubar ninguém, a escola é na Conchada, Coimbra, estas letras roubámo-las ao Jorge Castilho, que entrevistou o menino nos anos 90 do século 18, mentira, do XX.
O som, aqui em bruto, talvez tenha passado na Rádio Jornal do Centro/TSF Coimbra, se calhar também passou no Jornal de Coimbra, o Jorge dirigia os dois, eu encontrei o som hoje na cassete K7-R-356, achei que valia e muito o respigo, também porque sei que no XXI há chagas que afogam os sonhos de muitos Miguéis, também porque já chega de notícias capturadas pelos presidentes de câmara, deputados, chefes dos bombeiros, futebolistas endinheirados, influencers, casamentos com agricultores, e a culpa não é de todo deles mas dos jornalistas que já chegam às redacções com o rabo pesado e formatado para a cadeira, perdido que foi o gosto e a urgência de vasculharem a rua à procura de estórias como a do Miguel que leva porrada do pai quando aparece em casa com 500 escudos.
Dinis Manuel Alves
14.01.2021
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