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DINIS MANUEL ALVES

O fotógrafo-assassino

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Em 1996, concluída a viagem presidencial de Mário Soares a Luanda, cumprimos meio-dia em S. Tomé.

Passeava tranquilamente com o Jorge Morais, do Tal & Qual, quando vi três vendedeiras do outro lado da rua. Dá um boneco bonito, pensei. Elas adivinharam, espaventaram-se todas de medo sorridente, a tele da minha Nikon lá conseguiu, a custo, registar quatro instantes da fuga ao bombardeio. Sim, que aquilo não é reacção a quem lhes aponta uma máquina de tirar fotos; sim, que aquilo é reacção a quem lhes dispara à alma e que, reza a lenda, a alma lhes rouba, a elas, às africanas, a eles, aos africanos.
Elas fogem, abandonam as bancas, mas fogem sorrindo, sabedoras que fintaram o fotógrafo-predador que lhes tentava capturar a alma.
Diz-se que é coisa de negros, atavismo, coisas mais.
Dizem-no os brancos, que fazem pior, porque estes, alguns destes não fogem, muito menos se riem.

Em Julho de 2010 estive uma hora “sequestrado” numa localidade das cercanias de Coimbra porque um branco lá da terra me barrou a saída, apenas por andar a fotografar. Teve que vir uma patrulha da GNR libertar-me das garras do homem, inquieto por ver um estranho a fotografar pelas ruas de uma aldeia onde não tinha nascido. Na pendência do episódio, disse a quem o quis ouvir que não sabia se eu era para aí um pedófilo, sabe-se lá se amanhã vai violar a minha mulher e malfeitorias congéneres.

Há uns anos atrás fotografava eu, com tripé, em noite de breu, no Terreiro da Erva. A luz do candeeiro embrenhava a janela velha de um encanto especial e pus-me a caminho.
Vejo dois polícias arrastando um velhote, mais o álcool em que se embebera. Praticavam o bem, os cívicos, levavam o homem para casa. O boneco era excelente. Arranquei a máquina do tripé, montei o flash num flash e aí vai disto.
Um dos guardas até sorriu de esguelha para a foto. Até o mais velho lhe ter dito: Olha que o gajo tirou-te a foto e estavas com o boné torto!
Foi o cabo dos trabalhos, as ameaças da ordem, por aí.
Deu artigo no “Jornal de Coimbra”, “O polícia do boné torto”, e seleccionei a foto para umas das exposições do Projecto “Dias de Coimbra”.
Voltando a África, o lendário atavismo tem nuances de monta. Por exemplo, no Senegal, a rapaziada garbosa e imponente, quando detecta um turista incauto rapinando-lhes a alma à descarada, ordena lá do sítio onde está sentada: “Viens ici, Monsieur”.
Querem vender películas da alma mas eu nunca levo trocado nestas ocasiões.

Voltando à tal aldeia dos arredores de Coimbra, a simpática patrulha da GNR veio ter comigo uns quilómetros mais à frente. Se eu não me importava de lhes mostrar as fotos que tinha tirado, se tiverem pessoas tem que apagar.

E é aqui que bate o ponto.

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