Está prestes a deixar a comarca da Louzã o malfadado Alfredo pinto da Motta, que durante o tempo em que tem sido juiz nesta terra tem desrespeitado a justiça para servir os interesses facciosos dum grupo de politiqueiros, cuja influencia e prestigio se sente desfallecer com a proxima ausencia daquelle magistrado.
O Ridiculo
“... como um fio maduro
Um cão tinhoso, nojento,
Que vae buscar o alimento
As podridões do monturo.”
G. Junqueiro - “A Morte de D. João”
Reduzido á mizeravel condicção de aventureiro, sem prestigio e sem a confiança dos seus administrados, antevendo deante da sua imaginação visionaria só p pallido phantasma da perseguição e da vingança, sentiu-se lentamente resvalar para um profundo abysmo de descredito e de immoralidade, que á semelhança do supplicio de Tantalo, jámais logrará rehabilitar-se.
Procedendo desordenadamente, estimulado pela intriga reles dos sabujos com quem tem vivido, arrastou para a sua dignidade profissional um passado cheio de ignominia que jamais conseguirá desvanecer, e collocou numa situação desconfortavel os seus cory pheus.
Numa lucta desacertada e indigna, em que as vinganças systhematicas se succederam constantemente contra todos os progressistas da Louzã, não conseguiu o juiz Motta outra coisa mais que uma vasta atmosphera de ridiculo.
As suas victimas olham-no com despreso e dó, porque conhecem de sobra as suas manifestações amormaes, o seuestado pathologico.
Os indifferentes riem-se dos seus disparates, troçam-no, desprestigiam-no, como fazem os garotos aos saltimbancos.
os seus proprios amigos, que aparentemente o rodeiam, que parecem ainda mostrar-se-lhe sympathicos e agradecidos, são já os proprios que se lastimam da situação difficil em que os seus desvarios os foi collocar.
Entregue ao rediculo, permanecendo cercado pelo dspreso daqueles que perseguiu, pelas risadas alvares dos que nada tiveram com elle e coberto pelas maldições dos que o souberam explorar, eis em pouca palavras uma descripção summaria e exacta do papel de magistrado que acaba de representar o malfadado Alfredo Pinto da Motta, nesta altura, em que está prestes a sahir da comarca da Louzã.
Bom seria que esta dura lição lhe aproveitasse para a sua vida futura.
Bom seria que se não repetissem scenas como as se passaram nesta comarca e como as que tem representado em outras, quer como juiz, quer ainda como delegado.
Bom seria que aquelle juiz, que tão transviado tem andado do caminho direito, iniciasse vida nova, concentrasse em si a noção da justiça, do dever, e fechasse por completo os ouvidos á intriga do soalheiro reles e baixa, como aquelles que a empregam para ser um magistrado que não deshonrassem a classe a que pertence ou para quem não estivessem abertas as portas dum manicómio.
JORNAL DA LOUSÃ, 1903