A decisão de ter um bebé devia ser tomada com uma calculadora na mão. Segundo um estudo de um investigador da Universidade de Coimbra, os custos, desde o nascimento até aos 25 anos, são sempre superiores a 230 mil euros – mas podem atingir quase três vezes mais, ou seja, o preço de um apartamento de luxo, na capital
João Luz / VISÃO nº 758 14 Set. 2007
Para Pedro Salinas Calado, «chapa ganha é chapa gasta». O arquitecto, de 38 anos, partilha com a mulher, Marta, enfermeira, da mesma idade, o projecto de ter «de sete a 14 filhos». Embora a meta não seja rígida e sirva de resposta bem-humorada aos comentários dos amigos, estão no bom caminho. O clã Salinas Calado já tem seis, o que transforma a gestão do orçamento familiar numa constante aventura: se um filho é caro, meia dúzia são muito mais.
As despesas desta família numerosa assumem proporções milionárias, à luz de um estudo de João Barbosa de Melo, 44 anos. Este professor de Economia da Universidade de Coimbra situa os gastos totais, do parto à emancipação, em valores entre os 236 500 e os 679 000 euros – consoante a família seja de classe média baixa ou média alta.
O estudo remonta a 2004 mas, segundo o docente, continua actual. «Admito que a margem de erro dos preços ronde os 20% ou 30%, para cima ou para baixo. Como nos últimos três anos os preços aumentaram 5%, o sentido geral não se alterou.» O trabalho foi realizado para um seminário do Centro Integrado de Apoio Familiar de Coimbra. «Quando me convidaram para fazer o estudo, verifiquei não haver nada do género. Recorri à experiência de pai e usei os preços médios de Coimbra como critério de valor. Mesmo assim, os montantes são modestos. Não prevêem, por exemplo, despesas com aparelhos para dentes ou com uma doença grave.»
Na casa de Vila Nova de Milfontes, onde a família Salinas Calado passa férias, as perspectivas negras abertas pelo estudo do professor não se fazem sentir. Nem o facto de oito pessoas partilharem a mesma casa as transforma em personagens de filme italiano dos anos setenta. Exactamente o contrário. A tranquilidade dos pais e a vivacidade das crianças dissipa qualquer ideia de dificuldade. Como é que conseguem?
«Não temos TV por cabo e mantemos uma pequena televisão que nos deram quando casámos, há 11 anos», exemplifica a enfermeira. A receita de Pedro? «Passamos férias quase exclusivamente em casa de familiares e só comemos fora um dia. Nas raras vezes em que vamos ao cinema, escolhemos a dedo o filme, para agradar a todos.» No fundo, a fórmula resume-se a «definir prioridades e reconhecer as coisas imprescindíveis. Esta racionalização torna mais gostoso o que fazemos juntos.»
O luxo da educação
Marta e Pedro gastam, por mês, cerca de 3 mil euros com os filhos. Desta verba, aproximadamente 70% são absorvidos pelo ensino. «Privilegiamos a educação deles. Essa é a prioridade. Mas se acontecer uma fatalidade e tivermos de os passar do colégio para o ensino público, não é nenhuma tragédia», diz o pai, enquanto embala Francisco, o mais recente filho, de 3 meses.
Com notícias como a do aumento de 3,1% do preço dos livros escolares para o primeiro ciclo, é natural que Setembro se torne um mês complicado para as famílias portuguesas. É já assim para o clã Guerra. Luís, o patriarca, de 48 anos, responsável comercial de uma editora livreira, confirma que «o pior período é o de regresso às aulas». A mãe, Maria de Lurdes, 46 anos, acrescenta que só com António – o delfim, de 11 anos, de um trio de filhos – já gastou «123 euros em livros, mais 100 em material escolar». Luís afirma, no entanto, que não faz este tipo de contas por considerar a educação um investimento essencial.
Têm sorte, pois os filhos não reclamam mochilas de marca. Facto que não ocorre por acaso, uma vez que conseguiram passar às crias valores que contrariam a maré consumista. Lurdes felicita-se por os filhos «não exigirem roupas sofisticadas e pouparem as que têm». Em casa, cultivam-se princípios de solidariedade e de entreajuda e, nas alturas mais apertadas, há compreensão de todos para os sacrifícios que têm de enfrentar. «Já acumulámos o emprego com outros trabalhos: fiz revisões de livros e a Lurdes deu explicações. E apertámos o cinto», explica o pai.
Luís arrepia-se quando ouve outros dizerem que só tiveram um filho para lhe poderem dar tudo. «Assim, os miúdos não têm de lutar por nada, porque tudo lhes é dado de mão beijada e tornam-se egoístas.»
Portugal envelhece
Uma das formas mais saborosas de cortar despesas no orçamento familiar vem dos avós Guerra. «De vez enquando, enchem-nos a despensa com hortaliças, batatas, cebolas e carne. É a rede de solidariedade familiar, que se alastra aos vizinhos quando um deles está em dificuldades. No fundo, procuramos recriar o espírito de entreajuda que há nas aldeias, mesmo aqui no prédio», esclarece Luís Guerra.
Esta ideia de cooperação rural perdeu terreno com a urbanização – um dos factores apontados por Anália Torres, 53 anos, socióloga de família, como determinantes da baixa natalidade em Portugal. Dizer que os aspectos financeiros têm esterilizado a nossa sociedade não explica a diminuição dos nascimentos. «Nos países do Sul da Europa, onde até aos anos 90 eram boas, as taxas de natalidade caíram vertiginosamente a partir da altura em que a agricultura perdeu peso.»
O círculo vicioso começa com a competitividade no trabalho, a qual exige cada vez mais estudo e retarda a autonomia dos filhos. Também a precariedade laboral adia a procriação. «Estas são as causas de a fecundidade ser cada vez mais tardia, levantando problemas biológicos: quanto mais tarde se tenta engravidar mais difícil se revela consegui-lo, o que, por vezes, impossibilita a chegada de um segundo bebé.»
No entanto, a socióloga adianta que, nos inquéritos a famílias nacionais, recorrentemente se detecta a vontade de ter mais filhos. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, o número médio de filhos por mulher em idade fértil foi de 1,36, o ano passado. Longe dos 2,1 que garante a renovação das gerações e a sobrevivência do sistema de segurança social.
Para contrariar este panorama, o Governo anunciou medidas de apoio à natalidade. Mas, para João Pedro Pinto, assessor de imprensa do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS), «o Executivo não tem uma política de natalidade». O que está a aplicar é um conjunto de medidas «de ajuda às famílias», entre as quais se conta duplicação do número de lugares em infantários públicos. «Só este ano foram inauguradas 139 creches. Pretende-se que, até 2009, sejam abertas 25 mil novas vagas», diz João Pedro Pinto.
Outra das medidas anunciadas é o reforço dos abonos de família, que passam a beneficiar também as grávidas a partir do 4.º mês de gestação. E serão aumentados os valores dos abonos relativos a segundos e terceiros filhos. «No futuro, se nascer o mesmo número de bebés, nove em cada dez terão direito a abono.»
‘Qual vida social?’
Os custos de ter um filho não se reflectem apenas no extracto bancário. Quando uma criança vem ao mundo, abala, irreparavelmente, a vida dos pais. Para Jorge e Cláudia Calado, os gastos mensais de 1 500 euros com Henrique e Guilherme (de 2 e 4 anos, respectivamente) fazem uma mossa no orçamento mensal da família, de cerca de 5 mil euros. Mas o maior impacto foi nas suas vidas sociais. Jorge divide as épocas entre «quando se tinha vida e quando se deixou de ter». Para o consultor, de 33 anos, o tempo gasto com o trabalho e os filhos deixou o casal sem espaço para lazer. «Estou a ler a biografia de Winston Churchill há mais de um ano. Só consigo pegar no livro às 11 da noite e, dez minutos depois, estou estendido no sofá a dormir», conta Jorge. Cláudia, 36 anos, atalha que jantares fora e saídas à noite são para esquecer. «Mas também, no final do dia, nem se pensa em discotecas: queremos é ir para a cama.» Na hora de fazer um balanço, a mãe, técnica administrativa, não consegue encontrar palavras para descrever a realização pessoal que a maternidade lhe conferiu. É ajudada por Henrique que, ao passar perto, de triciclo, exclama: «Mãe!» Então, apercebe-se, emocionada, de que é isso mesmo. «A palavra mãe dita por eles enche-me o coração. Quando acordam e estão carentes de mimos e se agarram a mim – são momentos que compensam tudo.» Um mar de rosas? «No início de carreira, coincidente com a idade para se ter filhos, a hipótese de alargar a formação é afectada», observa Jorge.
A experiência de Jorge Calado confirma os resultados do estudo de João Barbosa de Melo. «Na minha investigação, ponderei uma parcela intitulada ‘rendimentos perdidos’. Ter descendência implica investir tempo que podia ser passado em horas extraordinárias, no emprego ou a dar uma imagem de eficiência, para agradar ao patrão. Se for pai, o empregado não pode ficar a trabalhar até à meia-noite. Por isso, no estudo, considerei a perda de uma hora de trabalho por dia, quando se tem filhos.»
Sr. dr. filho
Com a crescente competitividade na busca de emprego, a licenciatura tornou-se mais frequente, nos currículos dos portugueses. Esse facto não só adia a emancipação como representa mais um encargo para os pais. António e Elsa Guilherme, de 52 e 53 anos, respectivamente, ainda sentem na pele o preço da qualificação dos filhos. Mafalda, 23 anos, a segunda de três filhos, está a terminar a licenciatura em Biologia Marinha, na Universidade do Algarve, e prepara-se para um mestrado. «Um acréscimo nas propinas que rondará os 150 euros mensais. A que se juntam 150 para o quarto alugado em Faro, 200 euros para comida e despesas básicas, mais 50 euros para roupa e 40 euros para transportes. É uma pipa de massa», diz aquele vereador do Município de Loures. Depois de juntar a estas as despesas de Henrique (o mais novo, com 17 anos), os valores rondam os mil euros mensais. Inês, a filha mais velha (26 anos), já não contribui para o somatório. Licenciada em Psicologia numa universidade privada, ganhou autonomia com o primeiro emprego. Não lhe renovaram, porém, o contrato e anda à procura de trabalho. «Se não arranjar, nós estamos cá para a ajudar no que for preciso», assegura a mãe, funcionária camarária.
António estabelece uma fronteira, na qualidade de vida da família, que, nos últimos três anos, sofreu um rude golpe: «Foi grande o impacto financeiro do ingresso das duas filhas na universidade, tanto mais que coincidiu com alguma degradação do poder de compra da classe média.» O pai adianta que, hoje em dia, têm «de fazer contas diariamente e o fim do mês é um aperto».
‘Bom senso, disciplina e planeamento’...
... é a receita para equilibrar as contas das famílias, segundo Henrique Fonseca, 60 anos, colaborador do Centro de Orientação Familiar (CENOFA), onde aconselha casais sobre economia familiar. Oficial das Forças Armadas na reserva, aprendeu com o desafio de criar sete filhos. «Os problemas com o dinheiro podem, no entanto, ser a gota de água que destrói casamentos que já não andam bem», defende o experiente Henrique.
«É preciso ajustar o estilo de vida ao nível de rendimentos.» Mas isso não basta. «Há que cortar nas despesas supérfluas e ser rigoroso: não deixar o endividamento ultrapassar os 40% do rendimento familiar. Não deixar a televisão em stand-by nem luzes acesas, desnecessariamente, tomar duches rápidos, concentrar as compras de roupa e calçado nas épocas de saldos ou reduzir ao essencial as conversas ao telemóvel», defende.
Rui e Conceição, ambos de 38 anos, são contabilistas e vivem em Leiria. Pais de três filhos entre os 4 e os 10 anos, apostam na sua formação cultural e no desporto. E é nesses campos que gastam grande parte dos seus ordenados. Dos cerca de 1 200 euros de rendimento mensal do agregado, metade vai direitinho para as contas das crianças. A família Roberto, que se radicou em Leiria para evitar os custos da capital, usou a imaginação para controlar os seus gastos. «Se deixarmos uma luz acesa, temos menos dez cêntimos na mesada», conta Pedro, o filho mais velho. Conceição completa a equação de poupança: «Se a conta da luz for mais de cem euros, a diferença é paga por todos; se for menos, o Rui distribui o que se poupou.»
E o que se lucra com um filho? Luís Guerra dá uma pista. «Há pessoas que lutam muito para ter determinado tipo de coisas, como um carro. Isso, para mim, não é fundamental, mas sim o que considero a nossa grande obra: os filhos.» Obra à portuguesa, sem fim e em permanente construção.