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JORGE ANDRÉ ARRUDA

Drama carcerário

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1992 ou 1993? Era novato no JB e o dia foi 31 de dezembro, a noite de reveillon. A atriz Daniella Perez foi assassinada pelo ator (?) Guilherme de Pádua. Um filho da puta, só falando assim, estava na chefia de reportagem e teve a brilhante idéia de colocar um fotógrafo para "vigiar" o reveillon do ator na cadeia, 16 dp, na Barra. Eu estava lá. Era o único fotógrafo, a única vítima da imprensa lá.

 Depois da meia noite, Luis Morier ia me render. Não havia repórter. Quase meia noite, sentado na mureta da delegacia, um policial civil olha para mim e pergunta se eu estava sozinho. Respondi que sim e contei a minha missão. O cara, não muito mais velho do que eu, riu e sacaneou o tal chefe de reportagem, fazendo piada da ingenuidade dele.

Penalizado da minha horrível situação, o policial me convidou pra passar o ano novo dentro da dp, tomar um chopp com os outros canas. Aceitei. Meia noite. Brindes, piadas lá e cá, fiz umas fotos do grupo e dei o filme pra eles. O acesso à carceragem, é claro, estava fechado. O policial, gente boa, me pergunta se quero ver o Guilherme. Sim. "Sem máquina, porra !!! Isso é pica!!" Ok. Deixei a câmera, uma FM 2 podre que o Flávio tinha me dado na época, perto da porta, atrás de um bebedouro. Sabe-se lá ?

Lá estava o Guilherme com cara de babaca, atrás das grades. Uns 3 policiais civis estavam lá. Cinicamente, o carcereiro, com um copo de chopp na mão e uma 12 pendurada no ombro deseja "feliz ano novo" ao assassino da atriz. O civil que me chamou pra festa sorri e diz para Guilherme de Pádua : "Feliz ano no inferno".

No fundo da carceragem, gritos, berros e sons diversos. A trilha sonora do inferno. Um grito se destaca dos demais. Pergunto que porra é aquela. O carcereiro responde: " É a primeira enrabada do ano".
Todos riem. Por via das dúvidas, eu rio, ou melhor, finjo. Com o copo de chopp na mão, saio da carceragem, atravesso o salão de entrada da delegacia e bebo de um gole só aquele chopp gelado, no meio da rua.

Aquele dia entendi o que é liberdade. Foi o melhor chopp que já tomei. Morier chegou uma hora depois. Passou o ano no túnel, para me render. Expliquei o ridículo da situação e voltamos todos no mesmo carro. Anos depois, contei essa história pro tal chefe. Espantado, ele me perguntou por que não tinha passado essa nota pra publicar: "Seria exclusiva"!!! E depois arremata, "Você não é jornalista", meio
debochando. Eu respondI: "Tem problema não, cara, você também não é homem. Você é um jornalista. E ri.

Jorge André Arruda é repórter-fotográfico de O Globo

Público, 7 de Setembro de 1997