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TELEVISÃO

Enfatiza, meu bem, enfatiza

  • In TV
  • 2021-02-26
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Difusão reiterada de enfatizadores destinados a criar, nos telespectadores, a ilusão de um mundo vertido na janela catódica, graças ao poder da máquina televisiva.

A imagem que grande parte dos fazedores de televisão, jornalistas incluídos, dão do meio em que laboram, não aceita arguição e consequente exposição de fragilidades, por mais que as mesmas possam convocar a benevolência de espectadores e de críticos. Tal confissão beliscaria a aura da caixa que mudou o mundo, aura que permite à televisão manter-se no podium dos media, exibindo, para proveito próprio, o estatuto de Prima Dona.
Do alto do seu trono de rainha do mundo mediático (na feliz expressão de Traquina), exibe imagem de marca de meio omnipotente, repele vigorosamente qualquer tentativa de imputação de falhas, quaisquer veleidades de desenho do mapa de eventuais debilidades. Para a mais comezinha das fragilidades, para o mais banal dos erros, para a mais inócua derrapagem, manda o livro de marca que se branda a velha mas nunca estafada desculpa Por motivos alheios à nossa vontade.

Umberto Eco (1993: 135-136) elege como característica principal da neo-televisão o facto de ela “falar cada vez menos (como a paleo-televisão fazia ou fingia fazer) do mundo exterior”: “Ela fala de si própria e do contacto que está estabelecendo com o seu público. Não importa o que diz ou do que fala (até porque o público com o telecomando decide quando deixá-la falar e quando passar a outro canal). Ela, para sobreviver a este poder de comutação, procura entreter o espectador dizendo-lhe: ‘Eu estou aqui, eu sou eu, e eu sou tu”.

“Em virtude da ‘tirania das audiências’, as diferentes estações de televisão tendem, cada vez mais, a falar delas próprias, autopromovendo-se, acabando por vezes, até nos seus conteúdos informativos, a seguir esta prática”, nota Brandão (2002: 176). O mesmo constata Noel Nel (1997), para quem “a televisão trata, sem cessar, de se apresentar, caindo na autopromoção ou autocelebração”. Já em 1989 João Mário Grilo (1989: 76) assinalava o “reforço sistemático da imagem de marca da estação de televisão, não só através da difusão maciça de logótipos de grande impacto sonoro e visual, mas também pela elaboração cuidada de trailers de novos programas”.

A televisão fala demasiado de si própria, num registo laudativo matraqueado até à exaustão; põe em movimento uma parafernália de recursos destinada a enfatizar as suas capacidades, algumas efectivas, outras raiando a fronteira do virtual. Como media que atinge milhões, a televisão ocupa lugar privilegiado na publicitação de tais enfatizadores, não carecendo de recorrer a outros meios (leia-se despender recursos financeiros), para fazer passar a mensagem aos telespectadores.

PARA LER NA ÍNTEGRA AQUI (pdf,9 páginas)

Excerto reportando aos nossos trabalhos de doutoramento. Texto publicado em:
DA MÁQUINA ENFATIZADA À MÁQUINA CONSTRANGIDA – Mal Dita Televisão”. ALVES, Dinis Manuel. Mar da Palavra, Coimbra, 2011.