A 31 de Outubro de 2014, o Expresso deu início à colecção, oferecida a todos os leitores, "Grandes Entrevistas da História". Trata-se de uma compilação de cerca de 70 das mais célebres entrevistas publicadas na imprensa internacional e também de Portugal, ao longo de século e meio. Júlio Verne, Salazar, Hitler, Mandela, Ayrton Senna, Obama ou Mark Zuckerberg são alguns dos entrevistados.
Reza a história da imprensa que a primeira entrevista com esse nome foi feita à dona de um bordel, testemunha de um crime horrendo no seu estabelecimento, em Nova Iorque. Corria o ano de 1836. O novo género jornalístico caiu no goto de público e editores, e na segunda metade do século XIX já servia para abordar figuras distintas da sociedade, das artes e das ciências. Não sem que tivesse de vencer a hostilidade inicial de uma intelectualidade indignada com a violação da sua privacidade pelos tenazes repórteres. Mas isso já lá vai. Hoje é o que se vê.
A colecção de 70 entrevistas (compiladas em sete volumes) mostra como elas constituíram, ao longo das décadas, uma excelente forma de captar o espírito do tempo, mas sobretudo de obter retratos ímpares, para o melhor e o pior, dos indivíduos alvo da curiosidade jornalística. Quimeras e promessas, vãs vaidades, algumas ameaças, fulgores da inteligência e esplêndidas revelações. Um coro polifónico do que fomos e do que somos.
Thomas Edison, de visita à Exposição Universal de Paris, repreende a cultura de ócio da sociedade francesa. Al Capone, prestes a ser preso, discursa no seu escritório como se fosse senador no Capitólio de Washington. Alfred Hitchcock aceita desvendar os ardis que usa para construir o suspense nos seus filmes. Einstein, de pantufas, discorre sobre litígios pouco éticos entre os grandes da ciência. Fernando Pessoa, no Martinho da Arcada, lança ainda mais nevoeiro sobre a sua "Mensagem". Karl Marx refuta acusações sobre os recentes eventos da Comuna de Paris.
Ordenadas cronologicamente, as entrevistas desta coleção começam com o Presidente norte-americano Abraham Lincoln (1865) e chegam até ao criador do Facebook, Mark Zuckerberg (2014). Algumas são verdadeiros encontros com a História.
Adolf Hitler é entrevistado seis meses antes de subir ao poder, e anuncia já, sem moderar as palavras, a cavalgada demente em que vai mergulhar a Alemanha e o mundo. Mahatma Gandhi, quando falta um ano para a independência da Índia, apela ao Império Britânico para demonstrar grandeza de espírito, a bem das relações futuras. Fidel Castro, com o triunfo da revolução cubana ainda fresco, enreda-se numa hesitante explicação de que ele e os seus guerrilheiros não são comunistas. Margaret Thatcher, na sua primeira experiência governativa na pasta da Educação, termina a entrevista citando um conselho que lhe agrada: "Não dês o braço a torcer, Margaret".
Para muitos leitores, o aliciante desta coleção aumentará com a inclusão de mais de uma dúzia de entrevistas a portugueses ou feitas por portugueses, algumas das quais são memoráveis peças jornalísticas mencionadas de vez em quando por gente com fama de informada, mas que foram lidas por muito poucos em letra impressa.
Pedaços da memória portuguesa
Várias destas entrevistas devem a fama não só à figura do entrevistado, como às circunstâncias em que decorrem e à personalidade do entrevistador. António Ferro, nos anos finais da Primeira República, rende-se ao fascismo de Benito Mussolini numa inolvidável entrevista feita em Roma. Amália Rodrigues, em dias de temporário ocaso no pós-25 de Abril, põe-se ao dispor da conversa do jovem desconhecido Miguel Esteves Cardoso. Um Salazar enamorado pinta o retrato de um Portugal feliz à embevecida parisiense Christine Garnier, em Santa Comba Dão. Álvaro Cunhal, eufórico nas vésperas do Verão Quente de 1975, esquece-se de travar as palavras e diz mais do que queria à italiana Oriana Fallaci, habituada a pôr em sentido estadistas mundiais de todas as cores políticas.
O jornalismo não é sobretudo uma disciplina retrospetiva, mantém-se vivo pela sua força de atualidade. E assim também as entrevistas, por natureza propícias à memória e à reflexão, conseguem por vezes ser anúncios de tempos novos e grandes mudanças. É o caso de duas das entrevistas portuguesas que oferecemos aos leitores. Sacadura Cabral, acompanhado por um lacónico e sonolento Gago Coutinho, aproveita uma pausa forçada na primeira travessia aérea do Atlântico Sul para descrever, de forma empolgante, as peripécias e dramas da aventura pioneira de 1922. E Humberto Delgado proclama o seu programa democratizador numa entrevista que tem o aliciante de ter sido publicada no mesmo sábado de maio de 1958 em que, na célebre sessão no Café Chave d'Ouro, em Lisboa, lançaria o lapidar "Obviamente, demito-o!".
"Suponho que estou a ser entrevistado"
Atractivo suplementar desta série de conversas impressas é vermos como, passando as décadas, a ingenuidade e extremo formalismo dos tempos iniciais vai dando lugar a um saber-fazer de parte a parte - incluindo algumas mentiras medidas, companheiras da comunicação moderna.
Deliciosa ilustração dos tempos da inocência é a inquirição que o Imperador do Brasil, D. Pedro II, dirige ao jornalista que o aborda no Egito, em 1871: "Suponho que estou a ser 'entrevistado'. Creio ser esse o termo correto". Como mudámos, nós todos...
Os sonhos não têm idade. Mas uns têm manchas de sangue, outros enfeites de risos. Uns pesam como chumbo, outros pairam por aí. De todos encontramos um pouco nesta colecção de "Grandes Entrevistas da História".
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