Reportagem de Dinis Manuel Alves sobre as aldeias que vão morrer. Revista Grande Reportagem, n.º 29, 2.ª série, Agosto 1993. Direcção de Miguel Sousa Tavares.
“Ferreira de Castro falava-nos em tempos dos homens que não tinham lugar no mundo. Aldeões empedernidos por vida mais dura que as pedras que os amarravam aos torrões berço e cova, resistiram enquanto puderam às trombetas do progresso litorâneo. Os mais caturras teimaram deixar-se finar na terra que lhes deu o pão, por minguado que fosse. Mas não lograram forças para convencer filhos e netos a bisarem igual destino. Os mais novos partiram para terras de França, para as Áfricas e para o Brasil, outros menos afoitos lá encheram meio-peito com a coragem suficiente para abalarem até às Lisboas.
Centenas de aldeias do interior português esvaíram-se então da vida das gentes que lhes davam vida, e hoje sofrem o estertor de uma morte anunciada. A metástase que as corrói não vive dentro delas, condena-as à morte mas por abandono.
Na última década, os centros com menos de mil habitantes sangraram população na ordem dos 11,3%, enquanto às localidades com mais de cinco mil pessoas arribaram 17% de novos inquilinos.
O interior do país está agora pontilhado de centenas de aldeias condenadas a desaparecer dentro de algumas décadas. Algumas agonizam dez meses no ano, ganhando algum sopro de vida apenas no rigor estival, com a romaria anual dos emigrantes, os casamentos marcados todos para Agosto, as festas da terra mudadas do frio e despovoado Dezembro para os picos do Verão. As festas que ainda aguentam uma procissão são alimentadas por romeiros que já processionaram antes, desde Paris, Luxemburgo, Lisboa ou Porto.
Os comerciantes não têm a quem vender, os médicos vão curar para bandas onde ainda haja gente que encha os consultórios, as escolas fecham e as igrejas seguem igual rumo.
No continente, o maior êxodo dos pequenos centros verificou-se na Região Centro, com um decréscimo de 15,2%, e foi também nesta região que se verificou o maior aumento populacional dos centros com mais de cinco mil habitantes (59,6%).”
Sobre o título desta reportagem, sugerimos-lhe a leitura de "Aldeias que vão morrer ou Alice ainda mora aqui".